O filme “Tropa de Elite II”, do diretor José Padilha levantou discussões sobre a segurança pública brasileira e o quão complexa ela é. Propusemo-nos então a debater sobre ela.
Num primeiro momento, vimos alguns vídeos de documentários que mostraram que, estatisticamente, o Brasil é um país muito violento, embora tente passar ao mundo e aos próprios cidadãos da nação que somos um povo amistoso e pacífico. Matamos mais que a Bolívia, o Iraque e muitos outros países em guerra. Convivemos, cada vez com mais naturalidade e frieza, com o medo e a insegurança. O conceito de assassinato ou de “crime hediondo” encontra-se cada vez mais deturpada. Prova disso, é o quanto se tem ovacionado a figura do “Coronel Nascimento”, como se ele fosse um justiceiro, um exterminador ético.
Mas como ilustra o filme, nenhum coronel, nem nenhum polícia, tampouco um bandido dispara o gatilho sozinho. Então, de onde vem o tiro? Existe um sistema bastante dinâmico que sustenta toda a insegurança pública. Um sistema de bases muito sólidas como a política, a corrupção, o clientelismo e até o próprio sistema econômico vigente. Trata-se de uma somatória de diversos fatores que resultam em um país com medo, cheio de encurralados em condomínios de luxo e de miseráveis perpetuamente fadados à instabilidade das favelas. Ninguém se sente seguro. Dessa forma, o grande público do filme se justifica por inúmeros fatores. Mas o principal deles é que o povo quer se sentir justiçado, nem que seja na ficção. Vê-se um povo sedento por justiça violenta e eficiente.
O filme mostra apenas um dos inúmeros quadros violentos no país. Aliás, embora o filme aborde com muita competência e inovação a violência no Rio de Janeiro, esta já é diariamente e extremamente explorada, mastigada pela imprensa de massa. Todos os dias, ao lermos ou vermos jornais o que nos é passado são breves notas da situação geral do Brasil, enquanto se enchem páginas e blocos com casos de violência específicos do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Daí nasce a cultura de que apenas essas regiões são as mais desenvolvidas culturalmente, de que apenas seus dialetos são os mais bonitos, de que apenas nesses lugares há Brasil.
Dessa forma, um país inteiro deixa de voltar os olhos com a mesma atenção para regiões como o Pará, conhecido como “terra sem lei”, onde os latifundiários praticam seu coronelismo livremente, matando quem não lhes convier. Dessa forma, o público nem a imprensa se lembram desse Brasil, desse gigantesco curral eleitoral, onde a ave-bala voa solta, como bem descreve “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.
Discutimos se seria mais eficiente que houvesse guardas municipais ou polícias civis mais fortes então, tendo assim o estado mais autonomia para aplicar seus próprios recursos de segurança pública, atendendo melhor às necessidades que eles conhecem tão bem melhor. Entretanto, tal projeto tromba no pacto federativo, que estabelece que as polícias estaduais e municipais devem ser menos poderosas tanto em inteligência de ação quanto belicamente, impedindo revoluções emancipacionistas dessa forma. Entretanto, enquanto se espera respeitar assim o pacto, a polícia federal age apenas onde a imprensa acende seus holofotes, ignorando seu próprio princípio básico de atuar apenas em casos que ameacem a União.
Debatemos ainda que as polícias, civil e militar, e até as forças armadas como, por exemplo, o exército de nossa cidade, são pouco eficientes. Suas ações são pouco inteligentes, efêmeras. O exército é um caro e pouco útil recurso do Estado, que mais serve para empregar jovens homens que não arranjem empregos ou ingressem em faculdades durante a idade militar. Então, será que vale a pena custear bandos de soldadinhos figurativos? Será que esse bando de homens que trabalham sem princípio não são os agentes corruptores e corruptados que tem sua parcela de culpa em qualquer gatilho que se dispara contra a segurança pública? Além disso, no Brasil, a polícia poucas vezes funciona para fiscalizadora das leis federais ou municipais. Ela é mais um instrumento para que leis se tornem cada vez mais esquecidas e anacrônicas. Um policial civil não tem hoje conhecimento constitucional para coibir toda e qualquer infração prevista pela lei. Pelo “jeitinho brasileiro”, milhões de pequenos crimes são encobertos, contribuindo apara que a própria população repudie ou não respeite como se deve a presença da polícia. Existe, portanto, uma cultura de subdesenvolvimento que estimula a manutenção da fragilidade da segurança pública.
Discutimos ainda a pena de morte, uma polêmica muito atual, visto que cada vez que um caso hediondo choca o país, reaviva-se a discussão. Foi unânime que a pena de morte é inaplicável ao Brasil, visto que não se tem um sistema carcerário nem uma justiça eficiente. Aliás, o sistema carcerário ineficiente é um estímulo à sede daqueles que defendem a pena capital, afirmando que a prisão não recupera ninguém, tampouco os mais complexos casos. Pelo contrário, torna mais violentos e traumatizados todos que ali entram e são submetidos a sub-humanas condições de vida, encarcerados em novas versões de navios negreiros que não vão a lugar nenhum.
Os defensores da pena capital argumentam ainda que esta apenas ainda não fora institucionalizada, visto que já é aplicada no cotidiano das prisões e nas ruas desses “Brasis” sem lei. Dessa forma, tentam rebater os argumentos humanitários de que “o Estado não pode decidir quem vive e quem morre”, com o argumento de que esta decisão é feita diária e freqüentemente pelos criminosos. De um modo geral, os defensores da pena capital afirmam que ela seria uma forma de restituir dignidade às famílias violentadas, e de reprimir possíveis crimes, já que diminuiria a impunidade.
Os que são contra a pena de morte baseiam-se no argumento de que o direito à vida é inviolável e, acima de tudo, irreversível. Enquanto com a prisão pode-se “voltar atrás”, soltando os inocentes, a pena de morte é absolutamente unidirecional. Assim, as possibilidades de que sejam mortos inocentes é enorme. Justiça não se faz com violência. A pena capital aproximaria o Estado ao criminoso, colocando-os no mesmo nível: o de assassinos. Além disso, embora as vítimas dos criminosos tenham sofrido, a maioria deles também não cometeu seus delitos sozinho, sem que um contexto conjuntural o tivesse levado a tal situação. Ou seja, se um bandido violenta de alguma forma alguém, isso pode ser reflexo de violências bem mais complexas que ele mesmo há muito vem sofrendo, como a pobreza, a dificuldade de acesso a educação, saúde, dificuldade de inserir-se no mercado de trabalho...
Enfim, como em toda discussão do grupo, não chegou-se a nenhuma conclusão sobre o tema (até porque uma conclusão ou um consenso nunca foi nem nunca será o objetivo de qualquer debate do DST). O encontro foi muito rico em opiniões e muito dinâmico. Foram convidados alguns integrantes da OAB para enriquecer a discussão, porém, embora estes tivessem confirmado presença, não compareceram no dia combinado. Contudo, registra-se que foi um dos mais incríveis da história do grupo.