No encontro dessa semana nos propusemos a discutir sobre “juventude transviada”. O que quer dizer transviação? Nós constituímos uma geração perdida? Por que procuramos cada vez mais refúgio ou fuga nas drogas de prazer imediato? Até que ponto somos realmente autênticos?
Primeiramente discutimos o conceito tradicional e o cultural do termo “transviado”. Conforme nos expôs o professor de biologia Marcelísio, transviado se enquadra a qualquer tipo comportamento ou aparência que fuja ao normal, ao pré-estabelecido, ao comum. Porém, culturalmente esse termo é visto de forma pejorativa. É comum associarmos o termo a desvios negativos de conduta e comportamento, por exemplo. Nesse contexto, começamos a debater se, de fato, constituímos uma geração transviada no sentido de perdida, incorrigível, falida.
Concordamos que nós temos, desde que nascemos, um brilhante futuro detalhadamente planejado por nossa família. Desde cedo somos induzidos a realizar todas as projeções, sonhos e idealizações de nossos pais. À medida que crescemos, crescem também o número expectativas a que devemos atender e o número de pessoas a quem não podemos decepcionar. Ou seja, estamos sendo condicionados o tempo todo. Muitos relataram que se sentem verdadeiras marionetes, projeções de pais frustrados ou idealistas demais. Muito pouco do que fazemos é fruto de nossa vontade individual. Nesse contexto, é difícil enxergarmos o que constitui, de fato, nossa identidade, o que é autóctone e o que é mero produto de coincidências culturais, familiares e sociais.
Discutimos a impressão de que o meio nos induz sempre a viver menos, no sentido de viver menos intensamente. Todas as instituições que exercem influência sobre nós nos impõem modelos, receitas de como viver muito. Mas até que ponto a longevidade está associada à qualidade de vida?
Nossa ansiedade em viver intensamente o agora, esse imediatismo angustiante comum à nossa idade significa muito mais que uma conseqüência da constante efervescência de hormônios que correm em nossas veias. Essa sede por prazer e vida significa também a nossa busca por nossa identidade pessoal, por nossos próprios conceitos, vontades, gostos. Nossa geração vive um abafamento muito intenso do seu individualismo. Temos sempre uma identidade prévia que não nos identifica. O sistema nos torna números, a sociedade nos identifica como “filhos de fulanos”, a mídia como consumidores, o Estado como eleitores. E nós?
Nesse sentido, discutimos que as drogas mais comuns em nossa geração têm caráter de prazer imediato, de fuga da realidade. Antigamente, as drogas mais comuns eram aquelas tranqüilizantes ou que ofereciam espécies de epifanias. Já hoje em dia cresce o número de usuários de drogas como o êxtase e a bebida, principalmente entre os jovens do nosso nível social. Isto porque atualmente o uso de drogas não tem mais um caráter de protesto ou um caráter político e sim de hedonismo imediatista. É uma forma de fuga, de aproveitar tais prazeres antes que as responsabilidades se tornem mais pesadas do que já são, antes que se multipliquem ainda mais o número de pessoas a quem podemos decepcionar e as expectativas que podemos frustrar. Dessa forma, concordamos que não somos uma geração perdida e sim entediada por seu futuro pré-moldado.
Concordamos que somos jovens demais e por isso sabemos muito pouco sobre a vida. Portanto, é extremamente compreensível que nossos pais, a Igreja ou a escola tentem nos indicar qual a melhor forma de aproveitar a vida. Mas devemos nos atentar para a sutil diferença entre indicar e impor. É fato que todo aprendizado é mais contundente quando é fruto de uma experiência. Por isso, talvez, sejamos taxados de transviados. Pois queremos ver e sentir, com nossos próprios olhos e vidas, o porquê de devermos (ou não) seguir o que nos é proposto/imposto.
Discutimos ainda o quão falhas são as formas de abordagem e de conscientização promovidas pelas instituições. Quase sempre as campanhas ou debates promovidos com o intuito de conscientizar os jovens sobre qualquer assunto são extremamente impessoais, desinteressantes, intimidadoras. São mastigadas e vomitadas sobre nós todas as propostas, as regras, sem que tenhamos chance ou voz de resposta. Mas compreendemos que todas as instituições também precisam atender à expectativas e, por isso, muitas vezes a promoção de campanhas impositivas é mais segura do que dar a devida abertura e voz aos jovens.
Concordamos enfim, que “aproveitar a vida” é extremamente relativo, individual e subjetivo, mas que sempre os mais experientes tentarão impor o modo de vida que julgarem ser o mais correto àqueles que mais amam ou a quem precisam ensinar algo. Existem formas e formas de viver. Não cabe a nós nem a ninguém decidir qual é a melhor delas e sim eleger, individualmente, o que nos parece mais conveniente. Toda e qualquer postura, todo e qualquer comportamento possui seus prós e seus contras. Atender às expectativas nem sempre é a melhor opção, ou melhor, “nem pra todo mundo”. Construir nossa identidade consiste numa busca interior e exterior. Numa peneiração de tudo que o mundo oferece. Toda forma de vida vale a pena desde que assim seja avaliada por quem a assume. Se ser um jovem “transviado” traz felicidade, é assim que se deve ser. Contanto que haja a distinção entre delinqüência e transviação, a rebeldia saudável e necessária. Nesse contexto, vale lembrar do velho ditado popular “sua liberdade termina onde começa a do outro”.
Participantes: Mateus Carrijo, Gabriela, Nathália, Mariana Ponciano, César Ponciano (segundo capa), Carol Evangelhista, Thaís, Matheus (primeiro capa), Sofia, Matheus Fernandes, Marcell Melo (segundo fi).
"Haja hoje para tanto ontem" - Paulo Leminski
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