D.S.T. - Debates Socialmente Transmissíveis

Faltando aproximadamente um ano para o vestibular nos sentimos cada vez mais uma massa de manobra. Números de uma sociedade orgânica de individualidade questionável, empanturrados de conteúdo programático, macetes e neuras. Nesse contexto, surge o despretensioso “DST”, um grupo de “prevenção e tratamento” às doenças venéreas de uma sociedade doente, alienada, saturada de vazios, informações descartáveis, crítica condicionada e discussões pouco aprofundadas.

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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Sexualidade (17/09/10)


Quando o assunto a ser abordado cutuca feridas intocáveis da sexualidade, a quebra de tabus é inevitável. Bem como o pudor e o receio em falar abertamente sobre experiências pessoais, questionamentos próprios e curiosidades.
Com a presença da psicóloga Maria Carolina, profissional do apoio pedagógico do Colégio Nacional, e de mais alguns alunos que se interessaram pelo assunto, foi possível destrinchar ao máximo temas relacionados com sexo, sexualidade e outras questões tangenciáveis, como relacionamentos amorosos e os novos arranjos familiares. O debate fluiu de forma entusiasmante, tendo em vista a quantidade de dúvidas por parte dos jovens que lá se encontravam e a vontade de todos em expressarem suas opiniões e seus conceitos particulares sobre o tema.
Afinal, ao se tratar de um assunto tão íntimo e, por que não, delicado, é normal constatar que muitos só sentiram confiança o suficiente no ambiente de discussão para revelarem suas opiniões quando outros, mais ousados, se aventuravam em relatar uma experiência pessoal. Mas o importante é que a grande maioria se abriu sem pudor, revelando um fato curioso: Os jovens querem sim falar sobre sexualidade, e não necessariamente de forma desrespeitosa e vulgar, mas falta espaço, falta ocasião e ouvinte.
Podemos aprofundar este tópico fazendo uma série de questionamentos: Por que hoje, em pleno século XXI, o diálogo familiar a respeito da sexualidade tem sido tão adiado e, muitas vezes, negligenciado? Por que quaisquer questões que envolvam o tema acabam se tornando tão constrangedoras quando deveriam ser tratadas de forma absolutamente natural? De que forma os pais estão lidando com seus filhos homossexuais?
Não que seja necessário culpar alguém na esfera familiar quanto à dificuldade de pais e filhos em se comunicarem abertamente, mas é inevitável atribuir significativa influência da educação e dos valores aos nossos pais repassados na forma como essa própria relação se constrói. Muitas vezes de forma conservadora e receosa, a superproteção e inflexibilidade desses valores conseguem retrair um processo comunicativo fundamental na construção que os próprios filhos terão de si e do outro – no que se relaciona ao respeito com a sexualidade alheia.
Talvez muito do que deveria ser solidificado em casa, está sendo duramente negligenciado, e talvez os próprios familiares esperam que nós, filhos, pelo nosso acúmulo de experiências aprendamos sozinhos (com a convivência entre colegas de escola e através da mídia, por exemplo) coisas que se relacionam à sexo seguro, minimamente, o que já é o suficiente. Mas não enxergam, até pelo próprio contexto repressor em que viveram, como a sexualidade está mais presente em nosso cotidiano do que imaginamos, e como ela influi diretamente no comportamento dos filhos, sendo mais complexa e extensa do que imaginamos. Mas esta é uma visão generalizada, o padrão educativo nem sempre se reproduz e isso foi enfatizado no debate.
Ao compartilharmos relatos pessoais, percebemos que a primeira reação de um pai, ao tomar conhecimento da homossexualidade de um filho, especialmente homem, é de vergonha. Uma vergonha que, antes de julgar deveríamos tentar entender, estudar. Essa vergonha parte, afinal, de toda uma construção que a geração desses pais fizeram em seu imaginário de masculinidade. O homem inquestionavelmente feito para a mulher, viril. E, ao perceber que agora os filhos passam a andar por seus próprios valores e conceitos, o que consiste numa novidade, esses pais se desestruturam. O novo normalmente assusta. Além de ser difícil para esse pai de reconhecer a masculinidade do filho, mesmo sendo homossexual, o que entra em mais questionamentos.
O que faz do homem másculo e da mulher feminina? Estaria isso diretamente relacionado com sua opção sexual? E por falar em opção sexual, pra quê tantos rótulos? Como a sociedade tem construído a imagem homossexual em seu imaginário?
Tendo como base uma visão primitiva sobre masculinidade e feminilidade, muitas vezes marginalizamos as tantas outras formas de se “exercer” as funções plenas desses gêneros. Ou seja, deixamos de levar em consideração a pluralidade que estes conceitos adquiriram atualmente, até mesmo por uma questão cultural. Já não podemos levantar bandeiras que defendam uma homogeneidade de manifestação sexual – os homens devem agir de tal forma, e as mulheres dessa outra - até porque, ela não existe. Então não, o que faz de um homem ser homem e de uma mulher ser mulher – para si e para os outros – não possui essa dependência exclusiva com a orientação sexual seguida. Vivemos na era da individualidade, não necessariamente do individualismo que merece ser respeitada.
Talvez numa tentativa desesperada de se objetivar e estereotipar os mais diversos tipos de comportamentos acabamos limitando um processo de escolha individual e, mais importante, que não indica uma escolha definitiva, irreversível: Heterossexuais, homossexuais, bissexuais... Como se a todo instante precisássemos de um documento de identificação quanto à nossa escolha sexual. A questão é mais profunda do que parece ser, mas é fato que a liberdade se perde em meio a tantas nomenclaturas.
Sendo assim, é possível começar a entender de que modo as pessoas constroem a imagem gay em sua mentalidade, incluindo o próprio homossexual, que muitas vezes não se respeita e não se impõe na sua individualidade/imagem. É comum, portanto, a banalização e vulgarização da mesma, tanto por parte da mídia, quanto por parte dos próprios alvos dessa descriminação. Esses, por sua vez, podem acabar tendo uma reação de retração, de profundo medo de se assumirem.
Ao aprofundarmos em uma das vertentes do assunto, as relações sexuais, foi discutido o conceito de ser “ativo” e “passivo” durante o ato. Cabe mesmo a palavra “passividade” durante este processo? Afinal, que tipo de relação conta com um parceiro completamente indiferente e alheio às condições prazerosas que ela envolve? Pois é exatamente no que consiste a palavra: Inércia. Não que seja fundamental a discussão de um conceito, mas de forma pragmática: Em um ato sexual, ambos são ativos, não existe “o que sofre a ação do outro”. Dizer que alguém é inerte, nessas circunstâncias, só consegue me deixar uma impressão de submissão afetiva e sexual, algo que deveríamos estar caminhando em direção oposta, na da igualdade entre gêneros, e neste caso, de parceiros. Até porque o mais importante de uma transa não deve ser única e exclusivamente a penetração, a mesma que define o ser “ativo”. Aliás, muitos prazeres e fetiches sexuais podem estar em tudo, menos na penetração. São coisas extremamente particulares que variam de pessoa para pessoa, sendo impossível determinar, por exemplo, que um pênis de tamanho avantajado seria melhor. Pois bem, no quesito sexual não existem melhores ou piores de cama, e sim, preferências.
O prazer circunstancial, e na pior das hipóteses, hedônico, de uma relação sexual se constrói num ambiente de confiança e consentimento com o outro. Nada deve ser censurado ou reprimido no que diz respeito à intimidade sexual de um casal, des de que conte com estes dois elementos supracitados. E, longe de uma mera penetração fálica, há muitas outras formas de se concretizar fantasias e desejos de ambos os parceiros. Fiz a colocação de ambos, mas que sejam três, quatro: Confiança, consentimento e é claro, proteção.
Foi indagado à psicóloga presente se existe, efetivamente, uma idade para se iniciar uma vida sexual. Na verdade o que existem são circunstâncias de conhecer seu parceiro e sentir confiança o suficiente para que aconteça, de forma natural, a relação. Além de ser fundamental que homens e mulheres se conheçam sexualmente, sabendo de que forma seus parceiros podem lhes proporcionar prazer, afinal de contas a particularidade, que já foi comentada, deve ser acima de tudo uma descoberta íntima. É justamente aí que entra a discussão sobre masturbação. Por que mulheres não se masturbam com tanta freqüência? Teriam um melhor desempenho sexual se o fizessem? Com certeza.
Rodeadas de pudor e receio, muitas mulheres repudiam tais prazeres, até mesmo devido ao seu histórico repressor, também constatado no âmbito sexual onde muitas esposas não poderiam nem ao menos manifestar reações de prazer ou excitação durante um ato sexual. Altamente reprimido, o sexo feminino deveria oportunamente, encarar essa situação com maior liberdade, manifestando-se também através do próprio diálogo com o parceiro, no que diz respeito ao que lhe satisfaz durante a relação ou o que não lhe agrada. O que se percebe frequentemente é o medo que as mulheres sentem em se afirmarem na condição de “ativas”, seja durante uma transa ou no próprio relacionamento. Em suma, essa condição se manifesta na forma de autoconhecimento, se concretiza também na masturbação.
Dessa forma outro conceito pode ser discutido, o da virgindade. Foi muito interessante construí-lo de forma subjetiva, relacionado com as experiências e mentalidade de cada um e como uma condição fisiológica duvidosa, que se constata, erroneamente, com a presença ou ausência de um hímen, no caso das mulheres. Desconstruíndo o discurso de que uma virgem possui necessariamente um hímen: O sexo anal e oral são capazes de desvirginar uma garota deixando intacta a membrana em questão, sendo assim, é hipócrita dizê-la virgem e construir uma espécie de auréola cultural neste conceito.
Mas afinal, retomando um pouco a indagação feita a Maria Carolina, por que homens são incentivados a perderem sua virgindade tão cedo? Por que mulheres demoram mais e talvez por conseqüência de um receio tão grande?
É inevitável retomar tudo o que foi dito anteriormente: A imagem de machão construída ao redor de uma prepotência fálica diante da mulher. A submissão da mesma, historicamente. Mas seria essa a única flecha no calcanhar de Aquiles? Pois é impossível, depois de estudar perspectivas tão freudianas e individualistas, acusar de forma óbvia, a sociedade e seu histórico cultural. Talvez devêssemos voltar nossos olhos para o psicológico do indivíduo contemporâneo, bem como seus novos padrões de vida e novas relações interligadas e que se influenciam de forma retroalimentar, o que Weber descreveria como Teia de Sentidos.
Essa teia de sentidos se dá num processo contínuo, infinito de ações que são influenciadas pelo campo das idéias, que por sua vez, estão submetidas, mesmo que de forma sutil, aos efeitos das ações de outros indivíduos. Talvez homens e mulheres, rapazes e moças têm reproduzido um determinado comportamento por mera influência, “contaminação” de um determinado círculo social. Como por exemplo, quando se ingressa na faculdade, é comum que haja uma espécie de ritual de passagem subentendido, que consiste na primeira relação sexual. Qual a base racional para tal comportamento? Então é dessa forma que viramos adultos? Num evento tão significativo de nossas vidas como a primeira vez, teríamos de tomar nossas decisões numa espécie de corrida desvirginatória? Não que esteja erguendo uma bandeira em prol da castidade e, longe de me institucionalizar em qualquer Igreja, defendo (e me preocupo) apenas com as condições nas quais essa juventude está tendo seu primeiro contato com o mundo da sexualidade.
A preocupação era na verdade geral e legítima. Demos nossas caras à tapas na hora de expor curiosidades e dúvidas sobre tudo e qualquer coisa que envolva sexualidade. Mas na prática, na primeira relação sexual, ou quando formos pais, se tivermos filhos homossexuais, como procederemos? Reproduziremos os mesmos modelos de educação de nossos pais? Ou representamos já o começo de uma era mais livre e comunicativa?
 O que é possível concluir e, retomando um pouco do que foi dito na introdução do relatório, o tema escolhido tem historicamente uma importância inegável. A sexualidade sempre teve um peso cultural e determinante no comportamento de um indivíduo, e consequentemente, atua como agente diversificador da sociedade. A diferença é que em épocas passadas tal heterogeneidade era duramente reprimida, por uma série de fatores que justificam a mentalidade da época. Mas agora, na idade contemporânea e democrática em que vivemos já não faz sentido tal coerção. Se uma sociedade se diz aberta à liberdade de expressão – plena – que seja coerente consigo mesma e passe, de agora em diante, a lidar de forma mais racional e aberta, despida de pudor, mas não vulgar, com o tema erroneamente colocado como tabu.
Participaram do debate: Taciana, Gabriela, Mateus Carrijo, Nathália, Laila, Mariana (2º Capa), Victor, Willian, Marcell (2º Fi), Thais, Carol, Matheus (1º Capa), Douglas Carvalho (cursinho), Maria Carolina (psicóloga).




"Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História." 
- Soren Kierkegaar
"Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas." 
- Luíz Fernando Veríssimo
"De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência." 
- Millor Fernandes
"Sexo é hereditário. Se seus pais nunca fizeram, você não fará." 
- David Zing




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